sábado, 18 de fevereiro de 2012

Partido das grandes causas do povo brasileiro e da humanidade

A 25 de março deste ano o Partido Comunista do Brasil celebra o 90º aniversário de sua fundação. Em 18 de fevereiro transcorre o 50º aniversário da reorganização, quando, sob a liderança de João Amazonas, Maurício Grabois, Carlos Danielli e Pedro Pomar, os comunistas brasileiros se insurgiram contra a onda liquidacionista e oportunista de direita que assolou as fileiras do Partido na segunda metade dos anos 1950.

Por José Reinaldo Carvalho*


João Amazonas em palestra do Partido em 1962

Não há como celebrar as duas datas separadamente. Em 1922, surgia o Partido, em 1962, começava a consolidar-se um núcleo marxista-leninista, em meio a autocríticas sobre o passado.

Não tem sido fácil a luta de muitas gerações para fazer vingar no Brasil uma corrente política e ideológica comunista organizada no âmbito de um partido. O Partido Comunista do Brasil atravessou muitas etapas, deitou raízes profundas no solo nacional, desenvolveu-se inserido nos grandes acontecimentos do País, nos quais influiu, projetou o seu prestígio internacional e se tornou corresponsável por muitas conquistas democráticas e nacionais do povo brasileiro. 

Por óbvio, persiste ainda o desafio de firmar no cenário político um partido revolucionário, de classe e convicto da sua missão histórica de derrotar o imperialismo e as classes dominantes retrógradas para abrir caminho ao socialismo no País. 

Em meio a vicissitudes

A trajetória histórica do Partido Comunista do Brasil e as dificuldades que enfrenta para se firmar como corrente política e ideológica têm muito a ver com as peculiaridades da formação social brasileira e com o desenvolvimento de conjunturas políticas adversas. 

Aqui foi criada e se consolidou à frente do Estado nacional uma burguesia reacionária, monopolista, entreguista, subordinada ao imperialismo, crescida em simbiose com o latifúndio e com fortes tradições escravistas. 

Darcy Ribeiro, um sábio, que dedicou a luminosa inteligência a estudar e interpretar o Brasil, disse em sua clássica obra O Povo Brasileiro, que no Brasil tudo muda, menos as classes dominantes, com seus vícios patriarcais, racistas, escravocratas, opressores e exploradores, base objetiva sobre a qual surgiram e tomaram forma as manifestações ideológicas obscurantistas e os regimes políticos reacionários, que fizeram do anticomunismo uma bandeira sob a qual sempre esconderam suas aventuras golpistas e antidemocráticas. 

Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Nelson Verneck Sodré, Sérgio Buarque de Hollanda, Jacob Gorender, entre outros autores, também deixaram em suas obras de ciência política e historiografia elementos de compreensão sobre a formação e desenvolvimento dessas classes.

Ao longo dos seus 90 anos o partido dos comunistas enfrentou alguns surtos de violência que tornaram seus militantes, dirigentes e quadros em mártires da luta pela liberdade. Da fundação (1922) até o final da ditadura estadonovista (1945), o Partido viveu apenas um breve hiato à luz do dia. A regra geral foi a clandestinidade e o enfrentamento com os esbirros da reação.

O Partido enfrentou situações tenebrosas, sofreu as dores lancinantes do povo brasileiro e pagou com a vida dos seus melhores ativistas e dirigentes: a repressão que se seguiu ao levante de 1935, o final dos anos 1930, o início da década de 1940, quando o verdugo Felinto Muller proclamou solenemente a eliminação física do Partido, um ledo engano, aliás, pois não só os comunistas jogaram papel decisivo nas refregas políticas que levaram ao fim do Estado Novo, como atuaram com destaque nas manifestações que pediam o engajamento do País no esforço de guerra dos aliados.

Outra quadra da vida nacional em que o PCdoB foi submetido a uma ofensiva de cerco e aniquilamento foi durante a ditadura militar [1964-1985], um regime de facínoras que fez da tortura generalizada e dos assassinatos seletivos um método sistemático de combater a oposição de esquerda. 

Ter resistido e sobrevivido a tamanha brutalidade já é em si mesmo uma vitória, mas não há como negar que o traço repressivo dos regimes políticos, com ênfase no anticomunismo, foi fator negativo que muito limitou e prejudicou o empenho para construir um forte partido comunista no País. 

Outras circunstâncias desfavoráveis ao desenvolvimento do partido comunista se alternaram com a repressão. À época da fundação do Partido, era débil numérica e qualitativamente a classe operária brasileira. A intelectualidade cultivava os valores do romantismo, classicismo e do realismo franceses. Outra vertente era parnasiana. Era nula a penetração das ideias marxistas no País. A ciência política e a historiografia também eram incipientes, não ultrapassavam os marcos da disjuntiva monarquia-república. O comunismo brasileiro nascia sob forte influência anarquista ou anarco-sindicalista. 

Em diferentes momentos o Partido foi acometido por surtos de oportunismo, ora de “esquerda”, ora de direita e por divisões internas. Isto também dificultou a afirmação do partido comunista como corrente ponderável no País. 

É preciso assinalar ainda que as classes dominantes sempre trabalharam afanosamente para impedir que os comunistas exercessem influência maior sobre as classes trabalhadoras e o povo, recorrendo, além da repressão, a outras armas do seu arsenal político-ideológico. Getúlio foi hábil no manejo de diferenciadas legendas partidárias. Com uma delas, o PSD, atuava junto a setores da burguesia, com outra, o PTB, pôde fincar raízes entre os trabalhadores, dificultando a disseminação do partido comunista. 

Na fase final da ditadura militar, o ideólogo e operador da inteligência do regime, Golbery do Couto e Silva, concebeu uma reforma política em que se franqueava a liberdade de organização a correntes direitistas, centristas e de esquerda. Surgiram partidos que ostentavam no nome e na simbologia a representação das classes trabalhadoras, mas os partidos que se reivindicavam do comunismo foram obrigados a permanecer na clandestinidade.

O Partido e as conquistas do povo 

Malgrado todas essas dificuldades, o Partido Comunista do Brasil nunca deixou de atuar e marcou indelevelmente a vida política do País. Por qualquer ângulo de que se mire a história, não há como separar a vida republicana brasileira das lutas sociais e, desde os primeiros anos da década de 1920, da influência e do papel exercidos na vida política nacional pelo Partido Comunista do Brasil. 

Não há conquista democrática e patriótica do povo brasileiro em que não estejam incorporados o empenho, a inteligência, os sacrifícios e o heroísmo dos comunistas. 

As gerações atuais, ao ingressarem neste partido e a ele se referirem, devem saber que é o partido da insurreição de 1935, da luta contra o Estado Novo, o pioneiro dos embates pela reforma agrária, das reivindicações e conquistas trabalhistas, da campanha para a incorporação do País no esforço de guerra dos aliados contra o nazifascismo, do movimento nacionalista “O Petróleo é Nosso”. 

O PCdoB é também o partido da democratização de 1946 e da Assembleia Constituinte e, quando a noite dos tempos se abateu sobre a nação, foi o partido da luta contra a ditadura militar, da Guerrilha do Araguaia, dos embates pela anistia e a Constituinte, as Diretas Já e a redemocratização completa do País. O partido da luta contra o neoliberalismo e co-fundador da Frente Brasil Popular que iniciou em 1989 a caminhada vitoriosa que 13 anos depois levaria Lula para a Presidência da República.

A existência de uma vanguarda política vinculada às aspirações fundamentais das classes trabalhadoras, originada da luta de classes e que desde sempre adotou como programa máximo a conquista do socialismo no Brasil, nunca esteve desvinculada da realidade nacional nem das lutas democráticas e patrióticas.

Mesmo quando cometeu erros graves, como o de se alhear de acontecimentos tão marcantes na vida do País, a exemplo da Revolução de 1930, ou o de seguir mecanicamente diretivas da Internacional Comunista que não tinha credenciais para formular orientações táticas por desconhecer a realidade nacional, o partido dos comunistas brasileiros nunca deixou de estar fortemente impregnado pelo caráter nacional e democrático das lutas sociais do povo brasileiro. 

Raízes nacionais e internacionalismo

A fundação do Partido Comunista do Brasil, no longínquo 25 de março de 1922, correspondeu a uma necessidade objetiva do desenvolvimento das lutas sociais em nosso País, fez parte do ambiente de mobilizações democráticas e renovação cultural que contagiaram a incipiente classe operária da época, a intelectualidade, os setores médios e os militares patrióticos. Está inscrita na mesma cadeia de acontecimentos do qual fizeram parte a greve geral de 1917, a Semana de Arte Moderna de 1922 e as revoltas tenentistas democráticas, entre elas a Coluna Prestes. O Partido Comunista do Brasil nasceu em solo nacional e sempre buscou nas peculiaridades nacionais a pedra de toque de suas plataformas e ações.

Fundadores do Partido em 1922

Obviamente, a fundação da agremiação comunista do Brasil guardou também relação direta com os acontecimentos mundiais do início do século 20, sendo o mais importante de todos a Grande Revolução Socialista de Outubro na Rússia, em 1917, que deu origem ao primeiro Estado dirigido pelos trabalhadores sob a liderança do partido comunista. 

A Revolução Socialista de 1917 teve para o proletariado mundial e suas vanguardas políticas um efeito pedagógico transcendental. Confirmou a tese de Marx e Engels, baseada na análise científica da sociedade e da história, de que o capitalismo não é eterno. Sob o influxo de contradições antagônicas, têm lugar situações revolucionárias, as quais, num quadro de amadurecimento das condições subjetivas, resultam na vitória da revolução. 

Outubro de 1917 foi também a confirmação da opinião de Lênin de que com a passagem do capitalismo à etapa imperialista, abria-se a época da revolução socialista, devido ao amadurecimento das contradições objetivas: entre o proletariado e a burguesia, entre o imperialismo e os povos e nações oprimidos, além das contradições entre as potências imperialistas pelo domínio do mundo. 

Como a maioria dos partidos comunistas do mundo, quase todos existentes e em pleno funcionamento nos dias de hoje, o Partido Comunista do Brasil é um fruto daquela época de transformações que iriam marcar indelevelmente o século 20 como o século das revoluções socialistas e das lutas pela libertação nacional e social, o século das lutas operárias, das lutas anticoloniais, pela democracia, a justiça social e a paz. 

Não é por apego ao passado ou nostalgia que reafirmamos essas referências no transcurso do 90º aniversário do PCdoB, mas para realçar que todos aqueles que desfraldam hoje a bandeira do socialismo, da libertação nacional e social sentem-se herdeiros daquelas tradições revolucionárias fundamentais e portadores dos mesmos princípios e ideais. 

Esta é uma equação dialética fundamental — raízes nacionais e influência dos acontecimentos revolucionários mundiais a determinar o surgimento do partido comunista; patriotismo e internacionalismo a definir seu caráter. Uma relação fundamental, porquanto faz parte do pensamento e da propaganda da direita nacional associar o patriotismo a uma perversão nacionalista de tipo fascista e atribuir ao internacionalismo a pecha de vício alienígena. 

A história já demonstrou que na época do imperialismo, a independência e a soberania nacional é uma bandeira rota e demagógica nas mãos das classes dominantes e que somente os trabalhadores e seus aliados intermediários fundamentais são capazes de levar a bom termo esta luta — ao socialismo —, uma vez que na época do imperialismo não passa de uma quimera o capitalismo nacional “progressista”.

Partido indispensável

O acidentado transcurso da construção do socialismo, a trajetória dos comunistas no Brasil e em outros países, com altos e baixos, os erros cometidos e as derrotas sofridas pelo movimento revolucionário no final do século 20 são utilizados como argumentos pelos ideólogos da burguesia e do imperialismo para proclamar a derrota irreversível do socialismo, a falência dos seus ideais e a inutilidade do partido comunista.

Até mesmo razões de ordem eleitoral — pois estamos na época em que os partidos social-democratas da esquerda moderada e conciliadora são majoritários — são invocadas como pretexto para desistir do esforço para construir uma vanguarda revolucionária com ideologia comunista e cujo programa máximo seja a construção do socialismo.

Aparentemente, a realidade empresta razão aos que, ignorando as leis objetivas do desenvolvimento histórico, tomam por saudosismo e gesto anacrônico a celebração da fundação do partido comunista e a vitória da revolução socialista de 1917. Paciência, os comunistas terão que uma vez mais remar à contracorrente.

É com justo orgulho que celebramos, porque é gloriosa a história dos comunistas, é heróica a sua gesta e é enorme a contribuição que deram nas lutas por transformações sociais e políticas, pela emancipação do povo brasileiro e de toda a humanidade. No caso do Brasil, foi com o intelecto, o empenho, e quando necessário as armas e o sangue de inolvidáveis heróis, que escrevemos memoráveis páginas da trajetória do povo brasileiro na luta por democracia, independência nacional e progresso social.

Na passagem do 90º aniversário do Partido Comunista do Brasil é indispensável, a par das celebrações, proceder a uma reflexão e tomar posição frontal diante dos agudos problemas do presente e da perspectiva. A existência e a permanência do Partido não resultam de uma atitude voluntariosa. Antes, correspondem a uma necessidade histórica. O Partido é necessário para os grandes combates do nosso tempo, para cumprir as grandes tarefas históricas de nossa época.

O partido comunista é indispensável para ajudar a constituir o sujeito político da luta pelo socialismo, o grande “exército” de massas da revolução brasileira, com os novos conteúdos e formas próprios da época presente. Nessa tarefa mantemos frutífero diálogo e positiva interação com outras forças de esquerda que têm o socialismo como meta. 

É certo que hoje é maior o grau de dificuldade com que enfrentamos essa tarefa, porquanto a esquerda é hegemonizada por setores políticos e intelectuais encantados com a globalização do capitalismo, com as supostas novas capacidades expansivas da economia capitalista, fascinados com a existência de blocos econômicos imperialistas. 

Não falta entre setores moderados da “esquerda” quem considere tarefa estratégica a de alinhar, conquistar, cooptar a burguesia monopolista, os latifundiários e mesmo setores do capital financeiro “nacional”, para a construção de um modelo híbrido. Em busca de adaptação à ordem imperialista, a social-democracia, depois de ter abandonado na prática a luta pelo socialismo, já o descartou até mesmo como utopia. 

Sobre a luta pelo socialismo no Brasil, incapazes de compreender o alcance e os limites da importante experiência democrática que o País está vivendo, primeiro sob os dois governos de Lula, e agora com Dilma, começam a teorizar que já estamos dando o primeiro passo na construção da nova sociedade e que basta deixar florescer os brotos do neodesenvolvimentismo e do neorrepublicanismo democrático para que, numa sucessão de governos democráticos pós-lulistas, cheguemos por geração espontânea ao socialismo no Brasil. 

Rebaixando-se a estratégia, rebaixam-se a arquitetura e a engenharia políticas, necessárias a afiançar a existência de uma força de combate à altura dos desafios da época. 

Força de combate

Para uma numerosa e espalhada militância comunista jovem, assim como para os quadros maduros e os dirigentes, celebrar o aniversário do PCdoB deve corresponder a um investimento de energias intelectuais e materiais para que este partido se desenvolva e consolide como uma força de combate pelo socialismo no Brasil, o que significa dizer que será, como sempre foi, uma força irreconciliável com as classes dominantes retrógradas, opressoras e entreguistas; uma força antagônica ao imperialismo, um partido de classe, portador das aspirações históricas dos trabalhadores e de todo o povo brasileiro; capaz de sintetizar em plataformas políticas amplas e unitárias as questões emergentes, como a nacional, a democrática e a popular, sempre em ligação com a perspectiva socialista; um partido de todas as lutas do povo brasileiro e nítida identidade comunista.

Estratégia e tática

Na história do Partido, um divisor de águas importante sempre foi a estratégia e a tática, ou em termos mais simples, a linha política, matéria na qual se acumularam acertos, mas também os mais importantes erros teóricos e práticos dos comunistas. A oscilação entre formulações programáticas adequadas à época e às correlações de força, o “esquerdismo” e o oportunismo de direita sempre puseram em tensão as fileiras partidárias e provocaram grandes cisões. 

Em sua infância, o Partido adotou por imitação a formulação “classe contra classe”, que, sem outros qualificativos e complementos, não cabia na realidade nacional; tentou fazer uma revolução armada (1935), sob orientação teórica e prática da Internacional Comunista; nos anos 1940 foi antigetulista, depois “queremista” para em seguida ser antigetulista de novo. Nos anos 1950, apoiou o governo de Juscelino Kubitschek, mas setores importantes da direção partidária deixaram-se cooptar pelo poder, fascinados que estavam com o nacional-desenvolvimentismo. 

A ruptura com o revisionismo contemporâneo, fortemente marcada por acontecimentos externos ao País e pertinentes ao movimento comunista internacional, foi provocada também por razões internas, relacionadas com a tática e a estratégia da revolução brasileira e a construção do Partido. Um grupo reformista e oportunista rasgou o programa do 4º Congresso, de 1954, que embora com limitações políticas e ideológicas, era em essência revolucionário. Substituiu-o pela Declaração de Março de 1958, que entrou para a história do movimento comunista do Brasil como o documento fundador do revisionismo contemporâneo e do oportunismo de direita.

É edificante ler a polêmica que o saudoso camarada Maurício Grabois sustentou com os signatários da declaração. O debate foi acirrado, mormente quando se aproximava o momento da realização do 5º Congresso (1960), que consumou a cisão no Partido e levou ao surgimento de dois partidos comunistas no país: o PCB e o PCdoB.

Foi a partir da reorganização revolucionária em 1962 e da experiência acumulada na luta contra a ditadura militar iniciada em 1964, que o partido alcançou o seu amadurecimento tático e estratégico. 

O núcleo marxista-leninista formado pelos camaradas João Amazonas, Maurício Grabois, Carlos Danielli e Pedro Pomar dirigiu a formulação de uma estratégia revolucionária, baseada nos princípios do marxismo-leninismo, e de uma tática ampla, combativa e flexível. O Partido aprendeu que era indispensável enraizar-se entre as massas, inserir-se no curso político, enfrentar os grandes e pequenos embates políticos do cotidiano, concertar alianças amplas e acumular forças revolucionariamente.

Os princípios de estratégia e tática que o Partido desenvolveu partiam de uma análise concreta da situação concreta e da evolução histórica do País. Sob a dependência externa e o regime das classes dominantes reacionárias não havia perspectiva para o desenvolvimento soberano do Brasil nem para abrir caminho ao socialismo. O núcleo marxista-leninista do Partido considerava que o desenvolvimento capitalista do Brasil é essencialmente dependente, assentado sobre uma estrutura que tem por base o monopólio da terra e a subordinação do País aos interesses do capital monopolista e financeiro internacional.

Mérito inquestionável dos comunistas brasileiros é terem desenvolvido uma visão aguda sobre as classes dominantes, que em sua parte majoritária é sócia menor dos imperialistas, em detrimento do progresso e da soberania nacional. Mesmo o avanço do capitalismo no campo, apresentado hoje como um sinal das potencialidades do desenvolvimento nacional, tem sido visto pelo Partido como um fenômeno social e nacionalmente deletério, porquanto orienta a produção agrícola apenas para o mercado exterior, controlado pelos monopolistas estrangeiros, e mantém milhões de camponeses marginalizados.

Em tempo hábil, e rompendo com a visão que dera origem à Declaração de Março de 1958, o Partido compreendeu que o desenvolvimento capitalista dependente se agravava ainda mais na fase aberta com a mundialização da economia, que a concentração do capital e da produção criava uma situação de maior dependência dos países de desenvolvimento mediano, hoje chamados de emergentes. O Partido passou a apontar como tendência malsã e prejudicial ao desenvolvimento nacional que a economia nacional fosse complementar à dos países ricos, no quadro da mundialização e do neoliberalismo, e as políticas econômicas e financeiras, chamadas macroeconômicas, submetessem o sistema financeiro do País.

Com elevado nível de compreensão sobre o processo histórico, a direção partidária não separava o momento particularmente difícil enfrentado pelo Brasil sob a liderança do grupo neoliberal que assaltou o poder nacional, primeiro com Collor de Mello e mais adiante com Fernando Henrique Cardoso, da direção do País pelas classes dominantes e do caráter de classe do Estado. 

João Amazonas fazia uma análise implacável sobre estas classes. Dizia, na redação do Programa Socialista aprovado na Conferência Nacional de 1995 e ratificado no 9º Congresso (1997): 

“O desenvolvimento deformado da economia nacional, o atraso, a subordinação aos monopólios estrangeiros e, em consequência, a crise econômica, política e social cada vez mais profunda são o resultado inevitável da direção e do comando do País pelas classes dominantes conservadoras. Constituídas pelos grandes proprietários de terra, pelos grupos monopolistas da burguesia, pelos banqueiros e especuladores financeiros, pelos que dominam os meios de comunicação de massa, todos eles, em conjunto, são os responsáveis diretos pela grave situação que vive o País. Gradativamente, separam-se da nação e juntam-se aos opressores e espoliadores estrangeiros. As instituições que os representam tornaram-se obsoletas e inservíveis à condução normal da vida política. Elitizam sempre mais o poder, restringindo a atividade democrática das correntes progressistas. A modernização que apregoam não exclui, mas pressupõe, a manutenção do sistema dependente sobre o qual foi construído todo o arcabouço do seu domínio.”

Os comunistas brasileiros compreenderam também que a luta democrática e patriótica pelo desenvolvimento, a soberania nacional, em defesa da nação ameaçada pela voragem neoliberal, era no fundo um aspecto da luta de classes, inseparável da luta pelo socialismo na fase peculiar que o Brasil vivia. 

O Programa Socialista (1995) dizia: “Tais classes não podem mudar o quadro da situação do capitalismo dependente e deformado. Sob a direção da burguesia e de seus parceiros, o Brasil não tem possibilidade de construir uma economia própria, de alcançar o progresso político, social e cultural característicos de um país verdadeiramente independente. Na encruzilhada histórica em que se encontra o Brasil, somente o socialismo científico, tendo por base a classe operária, os trabalhadores da cidade e do campo, os setores progressistas da sociedade, pode abrir um novo caminho de independência, liberdade, progresso, cultura e bem-estar para o povo, um futuro promissor à nossa Pátria”.

Não eram formulações abstratas, propaganda vazia ou delirante, princípios gerais distantes da realidade nem calcados em dogmas. Referenciado no marxismo-leninismo e numa interpretação científica da evolução histórica do Brasil, de sua complexa e peculiar formação, o PCdoB tem presente que a luta pelo socialismo no País não é um processo em linha reta. Na condução dessa luta, os comunistas compreenderam que deviam tomar em consideração essas peculiaridades, assim como a correlação de forças estratégicas no plano mundial. Os processos internos e externos determinam que a luta pelo socialismo percorra várias etapas.

Nos idos de 1992, quando a regra geral era o liquidacionismo, o Partido foi firme na defesa dos princípios do socialismo científico, do marxismo-leninismo e da construção do socialismo, sobretudo da experiência de construção do socialismo na URSS, malgrado os graves erros ali cometidos. 

Ao tirar lições da derrota, o Partido orientou: “Embora em suas linhas mestras o socialismo científico seja idêntico em todos os países, sua concretização em cada lugar exige ponderar as particularidades locais, nacionais. Essas particularidades dão feição própria ao regime avançado que substitui o capitalismo. O modelo único de socialismo é anticientífico”.

Árdua luta de classes

Ponto alto do amadurecimento programático, estratégico e tático da direção comunista são as formulações contidas no capítulo intitulado “O caminho para alcançar o socialismo”, do já aludido Programa Socialista.

Ali se afirma que a conquista do socialismo é um caminho de “árdua disputa” com “as classes retrógradas que dominam o País”. Durante o rico debate nas fileiras partidárias em torno da elaboração desse programa, João Amazonas identificava essas classes como “forças poderosas que não cederão facilmente as posições que detêm”. 

Sempre referenciado no materialismo histórico, dizia: “A máquina do Estado está em suas mãos. Utilizarão o engodo e as promessas jamais cumpridas, o monopólio da mídia, recorrerão ao arbítrio, apelarão para o fascismo, não vacilarão em juntar-se aos intervencionistas estrangeiros a fim de tentar conter e esmagar o movimento progressista. Todos os que almejam uma pátria livre e soberana, que desejam avanços contínuos nos terrenos político, econômico, social e cultural terão de enfrentar decidida e persistentemente as forças inimigas”.

Esta concepção tem orientado o pensamento e as ações do Partido, que aprendeu também que o caminho para o socialismo passa “pela realização de inúmeras batalhas em diferentes níveis com a ampla participação do povo”. A luta pelo socialismo não pode ficar restrita à propaganda revolucionária, sendo indispensável atuar no curso político real, estar presente nos pequenos e grandes combates do povo.

Esta compreensão está sintetizada no Programa Socialista: “Importância particular na mobilização das massas, buscando isolar ou neutralizar os inimigos, tem a fixação de objetivos concretos de nível mais elevado” (...) “Nesse sentido, adquire significado primordial a defesa da soberania e da independência nacional; a exigência de democratização ampla e profunda da vida do País; os reclamos da questão social em constante agravamento. São objetivos relacionados com a questão do poder, visando tirar o Brasil do atraso e da pobreza, garantir a liberdade para o povo, afirmar a identidade nacional. Essa luta apresenta não apenas aspecto tático. Perdurará por largo período e somente terminará com a vitória definitiva das forças progressistas. As classes dominantes não têm alternativa. Insistirão até o fim na política entreguista, antinacional, persistirão na via antidemocrática e antissocial”.

Este é o núcleo do pensamento tático e estratégico do PCdoB, consubstanciado no Programa do Partido. É resultado, acima de tudo, da experiência. Por isso o Partido não se perde nas ínvias encruzilhadas com que se depara. Este núcleo de ideias orienta a atuação nos campos eleitoral, parlamentar, no exercício de funções em governos nas diferentes esferas, na luta de massas, na ampla e flexível política de alianças, na condução tática em cada momento peculiar do desenvolvimento político do País, na luta teórica-ideológica. 

É, enfim, esse pensamento, a chave para compreender o papel da acumulação de forças no processo revolucionário: “Todo o procedimento político e organizativo, relacionado com o caminho para o socialismo — dizia Amazonas — objetiva acumular forças, ganhar prestígio e influência no seio do povo. 

A conquista do socialismo é obra das amplas massas, dos trabalhadores em geral, sob a liderança do Partido Comunista. Exige, na atualidade, a criação de uma sólida frente nacional, democrática e popular, reunindo partidos, personalidades políticas e democráticas, organizações de massas, defensores da soberania nacional, agrupamento decidido a derrocar as classes reacionárias e a realizar as transformações de que o Brasil necessita”.

Pensamento em evolução

O pensamento tático e estratégico do Partido Comunista do Brasil foi plasmando-se ao longo do tempo. A visão ampla e flexível, simultaneamente firme e combativa, de acumular forças, foi desenvolvendo-se em cima das batalhas concretas.

Na luta contra a ditadura, na 6ª Conferência Nacional (1966), realizada em plena clandestinidade, o PCdoB formulou a ideia da “união dos brasileiros para livrar o País da crise, da ditadura e da ameaça neocolonialista”. 

Quando a ditadura militar assumiu abertamente um caráter fascista e escolheu o terror de Estado como método de guerra contra o povo, os comunistas se alçaram em armas na Guerrilha do Araguaia, mantendo a perspectiva de luta política e de massas. Os documentos emitidos pela Guerrilha indicam a perspectiva política e de luta de massas dos comunistas naquele momento dramático.

Durante a ditadura militar, que foi a noite dos tempos para nossa Pátria, sob o tacão de generais fascistas, torturadores, opressores e entreguistas, os comunistas, aberta ou clandestinamente, com a cara própria ou mimetizados, nunca fugiram aos embates políticos nem deixaram de ser amplos e taticamente flexíveis. 

Ainda no auge do regime arbitrário, sob a presidência do general Geisel, algoz da Lapa, em cujo governo eram comuns as torturas e os assassinatos de opositores, o Partido abria o caminho da luta política e até mesmo da atuação parlamentar. Sob a orientação do documento “Conquistar a liberdade política, alcançar a democracia popular” (1976), o Partido formulou as bandeiras de luta pela revogação dos atos e leis de exceção, pela anistia ampla, geral e irrestrita e pela convocação da Assembleia Constituinte livremente eleita.

Bancada do PCdoB na Assembleia Constituinte de 1946

A mesma perspectiva de aplicar uma tática ampla, combativa e flexível para acumular forças esteve presente na luta pelas Diretas-Já, no apoio crítico à Nova República, na ação legislativa e nas ruas durante os trabalhos da Constituinte (1987 e 1988), no apoio à nova Constituição e nas campanhas pela eleição de Lula presidente da República (1989, 1994, 1998 e 2002).

As atuais conquistas democráticas e patrióticas do povo brasileiro têm muito a ver com a contribuição do Partido Comunista do Brasil. O ciclo político que o País atravessa a partir da vitória de Lula, faz parte da história de 90 anos do PCdoB. Ao tempo em que é uma realidade nova e de desenrolar dinâmico, propicia o desenvolvimento e enriquecimento do pensamento estratégico e tático dos comunistas.

Identidade comunista

A outra pedra de toque do pensamento e da ação do PCdoB é o esforço persistente para construir um partido comunista organicamente forte, ideológica e politicamente capaz, à altura da sua missão histórica, ligado às massas, em especial aos trabalhadores, um Partido com força militante, influência política ampla, presente nos acontecimentos candentes, dotado de amplo horizonte histórico, cultural e teórico, enraizado no solo nacional, patriótico e internacionalista. Nos idos de 1945 a 1948 construímos um partido com algumas dessas características que tinha, ademais, força eleitoral. Hoje está em curso uma complexa edificação, que necessita de persistência no rumo e constante avaliação, verificação e aperfeiçoamento.

Os nossos esforços atuais estão voltados para construir um partido de massas e de quadros, renovado nas formas de atuação e de organização, na atualização de conceitos e métodos, mantendo sempre os princípios de um partido com identidade comunista, perspectiva estratégica socialista e marcado caráter de classe como partido dos trabalhadores. 

Avançar e superar debilidades, evitar desvios de rota e contornar os perigos de degenerescência ideológica e orgânica, requer tomar como referência constante esses conceitos. Esta é a melhor maneira de homenagear os mártires e heróis do partido no transcurso do 90º aniversário da fundação e do 50º da reorganização.

Descortino para enfrentar desafios

Finalmente, é necessário refletir sobre os desafios que se apresentam à atual geração de lutadores pelo socialismo e construtores do Partido. 

Não está ainda plenamente configurada a nova correlação de forças que levará a humanidade a novo ciclo revolucionário. Mas tampouco essa correlação de forças forma-se por geração espontânea, cabendo aos partidos que lutam pelo socialismo adotar linhas estratégicas, procedimentos táticos e métodos de ação consoantes a necessidade de abordar, nas novas condições, a luta pelo socialismo. O fator consciente também faz parte das mudanças de correlação de forças.

Diante do capitalismo-imperialismo em profunda crise que põe de manifesto a senilidade do sistema, das políticas neoliberais dos governos conservadores e sociais-democratas, das políticas de guerra do imperialismo, da natureza reacionária do sistema político e econômico burguês, ganha relevo a questão: encontra-se na ordem do dia a tarefa de lutar por melhorias no capitalismo, de combater as “deformações” da globalização e as “perversões” da crise ou a tarefa de elaborar estratégias, táticas e pôr em prática métodos revolucionários que conduzam os trabalhadores em todo o mundo à luta pelo socialismo como único caminho para superar os inarredáveis impasses com que a humanidade está confrontada? Adaptação ou luta, eis o dilema em face do qual se encontram as forças de esquerda. Lutar, sempre, diz-nos o legado da história que hoje celebramos.

O capitalismo dos nossos dias beneficia apenas as grandes burguesias parasitárias dos países imperialistas. É, assim, inevitável a eclosão de lutas sociais e nacionais, em que os fatores de classe e patrióticos se entrelaçam. É nesse contexto que ressurge em nossos dias a luta pelo socialismo. É esse contexto que tensionará doravante as fileiras comunistas e todos os que se engajam na luta anticapitalista e anti-imperialista.

Temos clareza de que os padrões civilizacionais estão em crise, mesmo os valores vitoriosos e cultivados pelas revoluções burguesas dos séculos 18 e 19. A burguesia e o imperialismo decadentes não têm mais interesse de empalmar as bandeiras da liberdade, igualdade, fraternidade, justiça social, progresso econômico e soberania nacional. 

Somente as classes trabalhadoras, reivindicantes e transformadoras, em aliança com a intelectualidade progressista e os setores intermediários inclinados à rebeldia e à mudança social são capazes de iniciar um novo processo revolucionário para mudar de época e encaminhar a um rumo correto os destinos da humanidade. Os comunistas dignificarão o seu passado histórico se souberem posicionar-se a par com esses desafios. 

É grave a disjuntiva: ou a humanidade luta contra o capitalismo e abre de novo o caminho da história para a construção de um ordenamento econômico e social superior, ou sucumbirá inapelavelmente na barbárie, cujos elementos já se manifestam por meio da espoliação de países e povos, da superexploração das massas trabalhadoras, do corte dos direitos sociais, da devastação do meio-ambiente, da militarização e das guerras.

O cenário de crise profunda e generalizada do sistema capitalista revela que são nulas as possibilidades de sua regeneração num sentido nacional e socialmente progressista. Atualmente vivemos uma fase destrutiva e regressiva do capital em suas relações com o trabalho. O desemprego, a precariedade, a informalidade, o corte de direitos laborais e previdenciários se transformaram em verdadeira pandemia. As condições de existência miserável de milhões de pessoas revela a existência de uma gangrena social. Essas constatações chamam a atenção para uma questão fundamental. O desenvolvimento nacional independente e a justiça social já não são possíveis nos marcos do capitalismo. 

O pressuposto do desenvolvimento nacional e o progresso social é o socialismo, a existência de um novo poder, em mãos das classes emergentes da sociedade – as classes trabalhadoras - capaz de empreender transformações econômicas e sociais estruturais, a partir da legitimidade alcançada na luta por um novo ordenamento social e político.

Quase um século distantes da fundação do PCdoB e do triunfo da revolução socialista de 1917, o mundo do início do século 21 exibe os traços de inaudito retrocesso. Cada vez mais fica patente que o desaparecimento do socialismo na antiga União Soviética e nos países do Leste europeu no início dos anos 1990, foi uma contrarrevolução, cujas consequências nefastas continuam a se fazer sentir. 

O ciclo político aberto na última década do século 20 é conservador e contrarrevolucionário. O principal vetor do quadro político é a abrangente e brutal ofensiva do imperialismo, o que cobra elevado preço aos povos, em termos de liberdade, soberania nacional, segurança e direitos sociais. Os principais instrumentos dessa ofensiva são as políticas econômicas neoliberais, a militarização, a guerra e o exercício por parte das grandes potências capitalistas de uma política externa securitária que ignora os organismos multilaterais, a não ser quando se trata de instrumentalizá-los, e que torna letra morta o direito internacional. 

Em que pese a utilização demagógica e também instrumental da “democracia” e da “defesa dos direitos humanos”, as liberdades políticas são aviltadas pela hipertrofia do Estado policial, pela proliferação de leis que consagram o terrorismo de Estado, pela violação dos direitos humanos. 

Isto evidencia que o sistema capitalista já não tem condições de assegurar a democracia política e a democracia social. A premissa para essas conquistas é o revolvimento e a superação das atuais estruturas e superestrutura da sociedade. A conquista de direitos políticos e sociais plenos, que assegurem o poder político para os trabalhadores e a emancipação social não emanarão de um “aperfeiçoamento” do sistema burguês nem serão dádivas das classes dominantes, aliás cada vez mais reacionárias.

Comemorar o 90º aniversário do Partido Comunista do Brasil e o 50º de sua organização é se disponibilizar por inteiro a começar uma nova luta por alternativas de fundo, com caráter democrático, nacional e popular que representem uma ruptura com o estado atual de coisas. Para as forças anti-imperialistas, revolucionárias, progressistas, partidárias do socialismo trata-se de retomar a luta pelo socialismo nas novas condições do século 21. 

Naturalmente, o movimento revolucionário vive ainda sob o impacto das derrotas sofridas pelo socialismo no início dos anos 1990, as quais produziram significativa mudança nas correlações de força e debilitaram o fator subjetivo. O começo dos anos 1990 foi marcado pelas derrotas generalizadas da revolução e do socialismo, o que gerou na esquerda um ambiente desfavorável, de desmoralização, descrédito e fracasso. Esse ambiente não está totalmente superado, mas estamos vivendo um recomeço, uma nova transição. 

Há uma nítida percepção entre os ativistas políticos e sociais de que hoje são melhores as condições para lutar, intensifica-se a acumulação revolucionária de forças e aparecem os primeiros sinais de que o imperialismo não é invencível. 

No reposicionamento da luta pelo socialismo, não se pode ser fatalista e captar apenas os sinais da ofensiva reacionária. É preciso perceber as novas potencialidades revolucionárias que estão despertando. O caminho que percorrerá a nova luta pelo socialismo não será fácil nem retilíneo. Esta luta se confronta em cada momento, em cada batalha, com um colossal sistema de dominação que não cederá pacificamente as suas posições. Se os trabalhadores e os povos querem um novo sistema político, econômico e social, liberdades, soberania e direitos, paz e segurança, terão de encetar a luta política de classes, na qual hão de ter firmeza diante da força, sabedoria em face do engodo, uma elevada consciência política-ideológica, força organizativa, tirocínio tático-estratégico e capacidade de combate em face de inimigos poderosos. 

A celebração do 90º aniversário do Partido Comunista do Brasil é uma feliz ocasião para cultivar esses valores e renovar esta disposição de lutar.

Há um quarto de século que o povo brasileiro vem acumulando conquistas democráticas. São grandes e graves ainda os impasses nacionais, mas ainda maiores a consciência e a vontade do povo brasileiro de avançar, bem como a convicção das forças revolucionárias de que é necessário aproveitar o momento historicamente favorável para impulsionar a realização de mudanças estruturais, que resultem na edificação de um País democrático, progressista, socialista. O Partido Comunista do Brasil dedica a essa causa os seus 90 anos vividos e tantos mais que viverá no porvir.

* Jornalista e escritor, especialista em Política e Relações Internacionais. Foi vice-presidente do PCdoB de 2001 a 2005 e secretário de Relações Internacionais de 1992 a 2009. É secretário nacional de Comunicação do PCdoB e editor do Portal Vermelho

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Jovens cadastrados no Primeiro Emprego são contratados pela empresa S. Araújo

SAM_3200Marlon, de S. Araújo & Cia Ltda, os jovens beneficiados com o primeiro emprego e Jocsã Cerqueira  
A primeira vez que a carteira de trabalho é assinada o trabalhador nunca esquece. Foi assim com os jovens Medeiros Júnior Neto e Luanderson Dantas de Queiroz, que graças ao Programa Primeiro Emprego da Prefeitura de Areia Branca, executado por meio da Gerência da Juventude, foram inseridos no mercado de trabalho.
Seguindo o exemplo de outros parceiros do programa, a empresa S. Araújo e Cia Ltda. realizou o sonho do primeiro emprego desses dois jovens areia-branquenses que já estão trabalhando de carteira assinada.
O gerente da Juventude, Jocsã Cerqueira, disse que é gratificante ver os jovens areia-branquenses terem uma ocupação e serem reconhecidos.
O gerente disse ainda que continua empreendendo visita às empresas, buscando a inserção de mais jovens no mercado de trabalho, por meio do Programa Primeiro Emprego.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A mercantilização da política

O neoliberalismo se propõe a transformar tudo em mercadoria. Que tudo tenha preço, que tudo se possa comprar e vender. Essa proliferação do reino do dinheiro chegou em cheio à política. E o financiamento privado das campanhas eleitorais é a porta grande de entrada, que permite que o poder do dinheiro domine a política.
Dados concretos mostram como as campanhas com maior quantidade de financiamento tem muito maior possibilidade de eleger parlamentares. E que o Congresso está cheio de bancadas corporativas – de ruralistas, de donos de escolas particulares, de meios de comunicação, de donos de planos de saúde, entre tantos outros – que representam os interesses minoritários em cada setor, que se elegeram graças a campanhas que dispõem de grande quantidade de recursos econômicos.

O Executivo representa o voto da maioria da sociedade. O Congresso deveria representar sua diversidade, tanto a maioria como a minoria, assim como os diversos setores presentes na sociedade. Basta ver o tamanho da bancada ruralista – que representa a ínfima minoria da população do campo, os donos de grandes parcelas de terra – e a representação dos trabalhadores rurais – 3 parlamentares para representar a grande maioria da população do campo – para se ter ideia da distorção que a presença determinante do dinheiro representa para definir a representação parlamentar. O Congresso termina representando a minoria que dispõem de dinheiro para se eleger e nao espelha a realidade efetiva da sociedade. Terminam decidindo em nome de todos, mesmo com essa representação distorcida.

Por isso eles defendem com unhas e dentes o financiamento privado de campanha, que representa a tradução em representação política de quem tem mais dinheiro e não da vontade política soberana do conjunto da sociedade. O PMDB até chega a dizer que abre mão do financiamento público para cargos majoritários, mas não cede nas eleições parlamentares, de onde tira seu poder de barganha.

Alega-se que seria o livre direito de colaborar com dinheiro para quem se quer. Mas é um direito de quem tem dinheiro – dos bancos, das grandes empresas nacionais e internacionais, da velha mídia, - e não da esmagadora maioria da população, que fica expropriada desse direito.

O financiamento público de campanha é uma reivindicação da democracia, uma condição para que exista um Congresso representativo da sociedade brasileira, da vontade popular. Lutar por ela é lutar para que tenhamos uma vida para chegar a uma sociedade verdadeiramente democrática no Brasil.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

PCdoB indica o coordenador do Creas para a Gerência de Comunicação da prefeitura


eilson-pcdob
O atual coordenador do Centro de Referência Especializado da Assistência Social (Creas), Eilson Ricardo da Cunha, é o novo gerente executivo de Comunicação da Prefeitura de Areia Branca.
A informação foi repassada pelo gerente executivo de Juventude, Jocsã Cerqueira, presidente municipal do PCdoB, partido no qual Eilson Ricardo é filiado.
Eilson Ricardo, novo gerente de Comunicação da prefeitura
A confirmação de Eilson Ricardo na pasta da Comunicação foi anunciada durante reunião do prefeito Manoel Cunha Neto, “Souza” (PP), com Jocsã Cerqueira agora à noite. Eilson é da cota do PCdoB na atual gestão.
O gerente de Turismo do município, Francisco Melo, respondia pela Comunicação, acumulando também com Eventos.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

O STF sobre o CNJ, a discreta revolução

Todos os poderes do Estado devem estar submetidos ao rigor da ética, mas a ausência dessa atitude no poder judiciário é mais danosa. As sociedades se submetem à Justiça. A ela cabe dizer o que é certo e o que é errado, embora não se encontre ungida pelo mandato do Absoluto. A justiça se exerce, como se exercem todas as atividades humanas, na busca de uma verdade provável entre as dúvidas.

Por Mauro Santayana


Mas o fundamento da justiça, para lembrar a definição admirável de Cícero, é a boa fé nos contratos. Em todos os contratos, e mais ainda no pacto entre o magistrado e as sociedades nacionais a que serve. Esse compromisso dos juízes lhes exige ter as mãos e as mentes sempre limpas, e servir com absoluta independência e lisura, conforme o seu saber e a sua consciência. Tal contrato com a sociedade não lhes é imposto, porque a magistratura não se forma de maneira compulsória, mas assumido voluntariamente por todos aqueles que decidem ingressar nos corpos judiciais.

Os juízes podem errar, e erram frequentemente, mas não podem faltar à boa fé em suas decisões. De certa forma, todos nós somos juízes, e atuamos em nossas relações sociais examinando o comportamento de nossos eventuais parceiros nos negócios, na ação política, na amizade e no amor. Toda escolha, até mesmo dos sapatos a cada manhã, é um ato de juízo - e não é por acaso que a expressão juízo signifique uma escolha reta. O sistema judiciário, criado e mantido pelos estados nacionais é a suprema expressão dessa faculdade humana. Os juízes, valha o truísmo, devem orientar-se também pelas leis da lógica, e estabelecer suas sentenças de forma a que possam ser cumpridas – e, assim, impedir einer Grossen Konfusion, a que fez referência, bem humorada – o que nele é raro – o Ministro Gilmar Mendes.

A nossa justiça, de modo geral, tem sido uma justiça de classe. Desde suas origens medievais, em nossa formação ibérica, foi uma justiça de senhores contra os servos, dos santos contra os pecadores, dos reis contra os vassalos e, nos tempos modernos, dos patrões contra os empregados, dos ricos contra os pobres. Os juízes dependiam, e ainda dependem, de um juízo além de si mesmos, o dos grupos que formam e comandam os Estados - e legislam.

O Zeitgeist é também uma construção do poder. A decisão de ontem se conforma ao novo desenho do poder nacional. Aceitem os excelsos pensadores acadêmicos, que refletem o interesse das elites oligárquicas, a verdade de que, mal ou bem, com as infecções morais aqui e ali, o povo brasileiro está construindo nova sociedade nacional. A partir da Revolução de 30, com avanços e retrocessos, a mobilidade social tem sido impetuosa em nosso país. Os ricos, que sempre dispuseram de tudo, a partir do fácil acesso ao ensino, não podem saber o que sentimos, os que viemos do chão do povo, ao ver uma ex-favelada, Graça Foster, assumir o comando da mais importante empresa nacional. É como se, de repente, nos devolvessem tudo o que nos negaram, da bicicleta de criança a um emprego decente – sempre reservados aos outros, quase que por direito divino.

A eleição do retirante Lula, a decisão nacional de eleger Dilma, uma mulher que se rebelou, na juventude, contra a injustiça social, e a ascensão das mulheres a todos os poderes republicanos, ao quebrar os velhos paradigmas, abriram esse caminho, que não podemos mais abandonar, e isso exige estrita vigilância no comportamento do governo. É oportuno, dentro desse raciocínio, registrar a concisão e a força dos votos das ministras Carmem Lúcia e Rosa Weber na decisão do STF, ontem. Se associarmos a democratização do poder à moralização rigorosa da ação administrativa, a conquista será irreversível.

A decisão do Supremo é mais um episódio deste movimento histórico, que tem enfrentado e, graças a Deus, vencido, a reação enfurecida dos interesses externos e dos opressores nacionais. Não podemos perder essa vitória, aparentemente menor, mas essencial. Os juízes venais e corruptos sabem que estão sujeitos, de agora em diante, ao poder do CNJ. E, o mais importante: esse poder poderá ser provocado pela simples representação de qualquer cidadão brasileiro, que assim se identificar junto ao Conselho.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

The New York Times: É hora de devolver Guantânamo a Cuba - Portal Vermelho

Nos dez anos desde que o campo de detenção na base naval americana de Guantânamo foi aberto, o debate angustiante sobre se a instalação devia ser fechada - ou tornar-se permanente - obscureceu uma falha mais profunda que remonta a mais de um século e envolve todos os estadunidenses: a saber, nossa própria ocupação contínua de Guantânamo. Já é mais do que tempo de devolver esse enclave imperialista a Cuba.
Por Jonathan M. Hansen* no The New York Times

NYT


Ilustração publicada no artigo do The New York Times

Desde o momento em que o governo dos Estados Unidos obrigou Cuba a nos arrendar a base naval na Baía de Guantânamo, em junho de 1901, a presença americana ali tem sido mais do que uma pedra no sapato de Cuba.

Ela serviu para lembrar ao mundo a longa história de militarismo intervencionista dos Estados Unidos. Poucos gestos teriam um efeito tão salutar sobre o estúpido impasse nas relações 
estadunidenses-cubanas quanto a devolução desse cobiçado pedaço de terra cubano.

As circunstâncias pelas quais os Estados Unidos vieram a ocupar Guantânamo são tão problemáticas quanto sua última década de atividade nessa parte da ilha. Em abril de 1898, as forças estadunidenses intervieram na luta pela independência de Cuba, que já durava três anos e estava praticamente ganha. Isso transformou a Guerra de Independência cubana no que os americanos ainda costumam chamar de Guerra Hispano-americana.

Em seguida, as autoridades americanas excluíram o Exército cubano do armistício e negaram a Cuba um assento na conferência de paz em Paris.

"Existe um rancor e uma mágoa naturais tão grandes em toda ilha, que as pessoas não conseguiram realmente comemorar o triunfo do fim do poder de seus antigos governantes", observou o general cubano Máximo Gómez em janeiro de 1899, depois que o tratado de paz foi assinado.

Curiosamente, a declaração de guerra dos Estados Unidos à Espanha incluiu a garantia de que os americanos não buscavam "soberania, jurisdição ou controle" sobre Cuba e pretendiam "deixar o governo e o controle da ilha a seu povo".

No entanto, após a guerra imperativos estratégicos tomaram precedência sobre a independência cubana. Os Estados Unidos queriam o domínio sobre Cuba e bases navais das quais pudessem exercê-lo.

Entra o general Leonard Wood, a quem o presidente William McKinley havia nomeado governador militar de Cuba, sustentando provisões que se tornaram conhecidas como a Emenda Platt. Duas eram particularmente odiosas: uma delas garantia aos Estados Unidos o direito de intervir à vontade nos assuntos cubanos; a outra dispunha sobre a venda ou arrendamento de bases navais.

Juan Gualberto Gómez, um destacado delegado à convenção constitucional cubana, disse que a emenda faria dos cubanos "um povo vassalo". Prenunciando a Crise dos Mísseis de Cuba, ele advertiu que bases estrangeiras em solo cubano só arrastariam Cuba "para conflitos não produzidos por nós e nos quais não temos nenhuma participação".

Tratava-se, entretanto, de uma oferta que Cuba não poderia recusar, como Wood informou aos delegados. A alternativa à emenda era a ocupação contínua. Os cubanos entenderam o recado.

"Existe, é claro, pouca ou nenhuma independência real deixada a Cuba pela Emenda Platt", observou Wood ao sucessor de McKinley, Theodore Roosevelt, em outubro de 1901, pouco depois de a Emenda Platt ser incorporada à Constituição cubana. "Os cubanos mais sensatos percebem isso e sentem que a única coisa consistente agora é buscar a anexação."

Com a Emenda Platt em vigor, entretanto, quem precisava de anexação? Nas duas décadas seguintes, os Estados Unidos repetidamente despacharam fuzileiros navais com base em Guantânamo para proteger seus interesses em Cuba e bloquear uma redistribuição das terras.

Entre 1900 e 1920, cerca de 44 mil americanos rumaram para Cuba, aumentando o investimento de capital na ilha de US$ 80 milhões para pouco mais de US$ 1 bilhão e levando um jornalista a observar que "pouco a pouco, a ilha toda está passando para as mãos de cidadãos americanos".

Como isso era visto da perspectiva de Cuba? Bem, imaginem que, ao fim da Revolução Americana, os franceses tivessem decidido permanecer por aqui. Imaginem que os franceses tivessem se recusado a permitir que Washington e seu Exército comparecessem ao armistício em Yorktown. Imaginem que eles tivessem negado ao Congresso Continental um assento no Tratado de Paris, proibido a expropriação de propriedades, ocupado o Porto de Nova York, despachado tropas para esmagar a rebelião de Shay e depois imigrado para as colônias aos montes, apoderando-se das terras mais valiosas.

Esse é o contexto em que os Estados Unidos vieram a ocupar Guantânamo. Essa é uma história excluída dos livros didáticos estadunidenses e negligenciada nos debates sobre terrorismo, direito internacional e o alcance do poder Executivo. Mas é uma história conhecida em Cuba (onde motivou a revolução de 1959) e em toda a América Latina. Ela explica por que Guantânamo continua sendo um símbolo flagrante de hipocrisia mundo afora. Nem é preciso falar da última década.

Se o presidente Barack Obama quisesse reconhecer essa história e iniciar o processo de devolução de Guantânamo a Cuba, ele poderia deixar os erros dos últimos dez anos para trás, sem falar de cumprir uma promessa de campanha.

Dada a intransigência do Congresso americano, não poderia haver melhor maneira de fechar o campo de detenção do que entregar o restante da base naval com ele. Isso retificaria uma agravo antigo e assentaria as bases de novas relações com Cuba e outros países do Hemisfério Ocidental e em todo o globo. Por fim, enviaria uma mensagem inconfundível de que integridade, autocrítica e franqueza não são evidências de fraqueza, mas atributos indispensáveis de liderança num mundo em constante transformação.

Certamente, não deve haver maneira mais adequada de observar o lamentável 10.º aniversário da criação do centro de detenção, nesta quarta-feira (11), do que defender os princípios que Guantânamo solapou por mais de um século. 

Jonathan M. Hansen é palestrante em estudos sociais da universidade de Harvard, é autor do livro "Guantánamo: An American History" (Guantânamo: Uma História Americana)
Tradução: Celso Paciornik

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Daniel Ortega: “Não há espaço no mundo para o capitalismo”

Eleito presidente pela terceira vez, com 62,46% dos votos, em 6 de novembro de 2011, Daniel Ortega, junto com o vice-presidente, o general Omar Halleslevens, fizeram, nesta terça-feira (10), juramento de posse para um novo mandato presidencial. Na Praça da Revolução, onde foi realizada a cerimônia, o presidente se dirigiu aos presentes e disse que nos dias de hoje o mundo clama por paz.



Foto: Divulgação
                                                                                                

Ortega (à esquerda), com Chávez e Ahmadinejad: Cerimônia de posse presidencial. 

Após a cerimônia de posse, o presidente Ortega salientou a importância da paz e lembrou uma passagem de uma música de John Lennon: “A paz com justiça, a paz com dignidade, a paz com amor, a paz com solidariedade, a paz com o cristianismo, socialismo e solidariedade”.

Destacou que uma das metas é combater a extrema pobreza, que nada mais é do que o resultado das condições estabelecidas pelo sistema capitalista na América Latina.

“Temos que nos defender da atual crise econômica, para isso precisamos nos salvar desse modelo que apenas nos impõe pobreza e trai a humanidade, optando por um modelo cheio de amor, justiça e solidariedade”, expressou Ortega.

O presidente também lembrou que os que temiam antes de 2006, quando eleito pela primeira vez, “que o retorno da Frente Sandinista [ao governo] significaria a guerra, hoje estão mais que convencidos que a guerra na Nicarágua está enterrada, e nunca mais voltará”.

Durante seu discurso Ortega tirou a faixa presidencial e disse: “Todos são o presidente, o povo é o presidente, todos os setores da sociedade nicaraguense, todos, são presidentes”.

Lembrou que o mundo hoje enfrenta uma grave crise, provocada pelo “capitalismo selvagem”. Disse que, por essa razão, “já não há no mundo espaço para o capitalismo. Temos que dizer não às aplicações de sanções econômicas, devemos lutar pela solidariedade e a cooperação, isso determinará um futuro de paz”. 

“Sim eu prometo”, disse Ortega ao jurar respeitar a Constituição da Nicarágua.

A música “Nicarágua, Nicaraguita”, uma versão gravada pelo cantor Carlos Mejía Godoy, tocava enquanto Ortega firmava seu compromisso. Logo depois abraçou sua esposa, Rosario Murillo, e saudou os presidentes Mahmud Ahmadinejad (Irã) e Hugo Chávez (Venezuela).

Luzes de refletores deram um ar colorido aos edifícios ao redor da praça, com destaque para a antiga Catedral destruída pelo terremoto de 1972 e o Palácio Nacional, com retratos dos lendários guerrilheiros Augusto Sandino e Carlos Fonseca.

Entre os presentes, teve destaque a presença do Príncipe de Astúrias, Felipe de Bourbon, o presidente da República Bolivariana da Venezuela, Hugo Chávez, o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, o presidente da Guatemala, Alvaro Colom, assim como o presidente eleito deste país da América Central, Otto Perez Molina, Mauricio Funes, presidente de El Salvador, o presidente de Honduras, Porfirio Lobo, entre outros.

Milhares de pessoas compareceram à praça, situada próximo à Casa de los Pueblos, local que Ortega utiliza para se reunir com todos os setores do país.

Fonte: CubaDebate

Centenário de João Amazonas - PC do Brasil: das primeiras lutas à reorganização da Mantiqueira -Artigo de João Amazonas

www,grabois.org.br - Fundação Maurício Grabois

www.grabois.org.br - Fundação Maurício Grabois

“O Partido é como a fênix: quando se pensa que acabou tudo, ele renasce das próprias cinzas” (João Amazonas) Por ocasião da passagem de um ano de seu desaparecimento, em 27 de maio de 2003, Princípios publica trecho de depoimento inédito do dirigente comunista João Amazonas, gravados pela Comissão de Redação da História do PC do Brasil em 2001.


"Meu pai era padeiro e minha mãe, doméstica. Tiveram oito filhos. Três mulheres – as primeiras –, e depois cinco homens – sendo eu o primeiro deles. Nasci em 1º de janeiro de 1912. Tivemos uma vida difícil. Meu pai ganhava um salário e, com família tão grande, não poderia ser de outra forma. Estudávamos num grupo escolar. Meu pai morreu, num 15 de novembro. Ele estava numa cidadezinha do interior passando uns dias para ver se melhorava de saúde (tinha tuberculose). Eu e um irmão fomos fazer-lhe uma visita. Quando chegamos lá, ele já estava principiando a morrer – em umas duas horas estava morto. Foi terrível. Uma barra muito grande para todos nós. Chegou a me dizer antes, caminhando, assim, na rua conosco: “Agora você tem de assumir a chefia da casa. Você é o homem da casa.” E o que eu ia fazer? Após o grupo escolar entrei para uma escola prática de comércio, porque ensinava à noite e de graça. Eu trabalhava até as 19 horas da noite e depois freqüentava essa escola, na qual cheguei a me formar. 

As transformações democrático-burguesas começavam a entrar na ordem do dia e se refletiam fundamentalmente nas lutas que ocuparam toda a década de 1920-30. Vivendo no Pará, não fiquei ausente dos problemas e de toda essa movimentação. Começava a me interessar ainda muito jovem pelas questões sociais e políticas. O coronel Barata foi indicado interventor no Pará e fazia uma grande divulgação das propostas do governo Vargas.

Eu trabalhava numa fábrica que tinha uns 600 operários e operárias, e comecei a tomar algumas iniciativas pessoais – mas, sobre o Partido Comunista do Brasil ainda não sabia nada. Isso mostra que o Partido não tinha uma presença política no estado se não, eu teria observado de alguma forma. (À época, me parecia que Partido Comunista só existisse na Europa. Lembro-me de ter visto, aos meus sete anos, minha mãe abrir uma revista – nunca me esqueço disso – e numa das páginas tinha um bicho horrível.

Perguntei a ela: “O que é isso aí mãe?”. Ela disse: “Esse bicho está devorando a Europa.” Estava escrito lá: “bolchevismo”. Eu nunca me esqueci disso porque me impressionou, como garoto – um bicho daqueles estar devorando a Europa!).

Escrevi então uma carta para o secretário de Trabalho (a Secretaria de Trabalho havia sido criada com a revolução de 30), denunciando os abusos da fábrica e reivindicando jornada de oito horas de trabalho. Ia fazendo ações como essa por conta própria, achando que o movimento de 1930 trazia uma renovação e que a gente tinha de mudar algumas coisas.
Diógenes Arruda


Em seguida, descobri o Partido. Apareceu um livro sobre medicina e outro sobre um engenheiro brasileiro na União Soviética. Isso chamou a minha atenção para uma situação em que as coisas eram diferentes. Nessa época havia grande efervescência política em nosso país. Comecei a me interessar por esses assuntos maiores. Trabalhava todos os dias, até aos domingo pela manhã, na fábrica (de chocolates, biscoitos, doces e massas). Cheguei em casa num domingo, em abril de 1935, e como de costume fui me deitar após o almoço, já que era a nossa folga. Levei o jornal, deitei-me na rede e comecei a ler. De repente, vi: “Aliança Nacional Libertadora é comunista” – esse era o título de uma notícia sobre um comício que a ANL tinha feito no Rio de Janeiro sobre o qual havia ocorrido intervenção da polícia. Abaixo uma notinha dizia: “Hoje Comício da ANL no Largo da Pólvora, em Belém”. Desisti de dormir, botei o jornal de lado, vesti-me e fui correndo para o comício. Devia ser umas quatro horas da tarde, e lá havia umas 150 pessoas. Assim que pude, puxei o paletó de um homem que estava falando e perguntei onde ficava a sede daquele movimento. Ele me deu o endereço. No outro dia, saí da fábrica às sete horas da noite e fui imediatamente para lá. Cheguei, entrei e comecei a perguntar o que e como era aquele movimento, etc.

Encontrei o Partido. E ali apareceu acho que o Dalcídio Jurandir, um escritor interessante e um jovem combatente também. Perguntou-me se eu não queria entrar para a juventude comunista. Disse que sim, que estava lá para entrar para o Partido: “Quero ver como é esse negócio de Partido”. Passei uns quinze dias na juventude, e então eles resolveram que eu deveria entrar para o Partido, pois trabalhava numa fábrica que tinha muitos operários. Já como integrante do Partido convidaram-me para receber uma delegação da ANL que havia chegado ao Pará para fazer agitação (um jornalista e o comandante Roberto Sissom, da Marinha, eram as principais figuras). Porém, não puderam realizar nenhuma atividade, porque quando chegaram já tinham fechado a ANL.

Foi assim que eu entrei para o Partido. A Aliança teve papel na divulgação nacional do Partido, porque a própria imprensa a divulgava como uma organização comunista. E esse “comunista” chamava a atenção dos trabalhadores e das pessoas que tinham interesse numa nova vida. Desde aí passei a atuar no Partido Comunista. Até hoje. Entrei de vez, pra valer. Isso foi em abril de 1935.

No Partido, logo fui indagado sobre a possibilidade de organizar uma célula no meu local de trabalho. Respondi: “Vamos ver. Como é isso?”. Explicaram-me como era e fiquei pensando: “Nunca tinha ouvido falar do Partido e como vou saber agora quem é comunista?”. No outro dia comecei a prestar mais atenção nos operários e nas operárias que trabalhavam comigo. Alguns deles se destacavam; um era da Catalunha, o Vicente Alonso Dias – uma pessoa muito interessante. Fui até ele e perguntei: “Você não conhece um outro comunista?”. Ele respondeu: “Tem um outro companheiro espanhol muito bom”. Conversamos e decidimos ver se encontrávamos outros companheiros. Achamos uma companheira e organizamos uma célula do Partido na fábrica com uns seis ou sete membros.

Em seguida, avancei para a idéia de criar um sindicato. O Partido dizia que deveria haver organização de massa, etc; e na fábrica não tínhamos um sindicato. “Vamos ver como se organiza um”. Apoiados em nossa célula fomos trabalhando e acabamos organizando um sindicato da fábrica – uma ação importante.

Ao lembrar hoje de minha juventude, vejo que tinha muito arrojo – em tudo o que fazia. O governo começou a repressão sobre a ANL e anunciou, até mesmo, a pena de morte. Na esquina da fábrica, que ocupava quase um quarteirão inteiro, havia uma Caixa D’Água – um edifício de ferro que era o pico mais alto da cidade. Em seu topo havia um mastro em que se colocava uma bandeira brasileira em dia de festa, que era vista de toda a cidade. Falei para os companheiros: “Vamos botar uma bandeira lá” (o governo tinha anunciado que ia pedir a pena de morte para os comunistas). Mas era complicado porque havia vigias. Organizei um plano. Fui até a casa de uma companheira (que depois foi casada com o Jurandir) e pedi para ela fazer uma bandeira imensa de 12 metros, com a palavra de ordem “Viva a ANL! Abaixo a pena de morte!”. Observei a rotina do porteiro. Era ele que, no dia da festa do Círio do Nazaré, colocava uma bandeira brasileira naquele pico. A gente a podia ver de toda a cidade. Mas eu pensava: “Se botar a bandeira aí eles retiram logo”. Então, seria preciso bolar uma idéia para eles não conseguirem retirá-la. O negócio seria fazer um arranjo nas pontas onde se colocava a bandeira, com uma espécie de argola no próprio fio de arame grosso, e puxar para ficar apenas uma ponta. Fazendo 

isso eu puxaria e a bandeira iria lá para cima. Assim, não haveria como baixá-la. Como a companheira não tinha força suficiente para fazer isso, arranjamos um camarada sapateiro, que mexia com alicates e sabia cortar.

Ficamos uma noite lá, pulamos o muro alto, com a ajuda da célula do Partido, e passamos para dentro dessa Caixa D’Água. Aí fomos subindo (devia ser umas 2 horas da madrugada), mas como a Caixa D’Água ficava na área da prostituição, a região era muito movimentada. Fomos subindo, subindo, e nunca chegava o fim daquela escada de ferro – e eu com a bandeira amarrada no peito. Quando conseguimos alcançar o topo, olhamos a movimentação da área, fizemos a operação e botamos a bandeira. O companheiro sapateiro fez a argola para ficar numa ponta só e aí nós a suspendemos. Era noite e ninguém estava vendo. Fizemos tudo certo. Ainda escrevemos com piche na parede, descemos e fomos embora. Voltamos para casa completamente sujos de piche. Naquele tempo, sem nenhuma experiência, na hora de lavar as mãos, custou para sair – seria necessário usar gasolina e nós não sabíamos. Levamos muito tempo para tirar o piche.

De manhã, foi um sucesso enorme: toda a cidade despertou e foi uma agitação daquelas. Em todo lugar e nas esquinas tinha gente olhando a bandeira vermelha na Caixa D’Água. Todo mundo falava naquilo e foi engrossando aquele movimento. A excitação tomou conta da cidade. Mobilizaram bombeiros e mais o que puderam para tirar a bandeira, e não houve jeito (só conseguiram à tarde; tiveram de chamar um moleque acostumado a subir em açaizeiro). Esse fato teve uma grande repercussão. Comecei assim, fazendo uma onda que não tem tamanho!

Essas são algumas passagens dos meus primeiros tempos no Partido.

Não é preciso dizer que esse período de 1935 é um período de grandes movimentos revolucionários no mundo. E também com grandes perseguições por toda parte. No Brasil a ANL durou apenas três meses. Teve apenas três meses de legalidade. Depois foi fechada. Os comícios eram gigantescos. Comícios enormes, imensos. Exatamente por isso, o Getulio fechou a ANL. Ela tinha à frente elementos de destaque, como o comandante Sissom, da Marinha, e o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto. Em seguida cometeu-se o erro – na minha opinião – de descambar para a ação militar, de quartel, mas ainda não se havia enraizado o movimento nas massas citadinas.

Fugindo da prisão para reorganizar o Partido

Depois de uma grande atuação no movimento sindical, passado algum tempo, fui preso. Fiquei quinze dias na prisão em abril de 1935. Tive a primeira sensação da prisão: de repente você se vê dentro de uma jaula, tudo cercado com grade, tudo fechado, ali, sozinho. Ficava pensando: “Isso não pode existir. 

É um absurdo uns caras com poder para pegar a gente e botar dentro de um troço desses”. Enfim, o nosso advogado foi até lá e me soltaram. Em seguida, houve uma sucessão de prisões: fui preso, depois tornei a ser preso, condenado, fui para a cadeia e passei lá uma porção de tempo. Quando a União Soviética foi atacada pelos nazistas nós estávamos na cadeia! Fizemos então uma sessão memorável dentro da prisão – éramos uns oito ou dez companheiros – mostrando que o ataque à União Soviética era um ataque aos trabalhadores do mundo inteiro. “E nós, o que vamos fazer? Ficar na cadeia? Não, temos de sair daqui para reorganizar o Partido, para ajudar a reorganizá-lo”. E fizemos um plano de fuga muito bem construído. Numa noite a gente começou a serrar (com uma serrinha muito fina) o assoalho para passar ao porão da prisão. E em todas as noites serrávamos cada vez um pouquinho. E assim fizemos. Chegou a hora combinada. Uns saíram pela frente porque chovia. O nosso plano era sair por trás. Mas havia um cachorro que era preciso eliminar, mas não conseguíamos (colocávamos veneno na comida dele, e nada). No plano estabelecemos que o Pomar e eu iríamos ao Rio de Janeiro. Mas não havia avião. Por navio seríamos presos porque eles se comunicavam com os portos e fatalmente seríamos capturados num deles. Então, fizemos um plano mais complexo. Pomar e eu iríamos ao Rio de Janeiro, um estudante e um operário (da ParaEletric) iriam para Manaus, o Agostinho Oliveira (que depois foi deputado do Partido), para Santarém. E assim distribuímos as fugas. 

Mas tudo isso precisaria funcionar naquela noite. Havia muitos navios que saíam para o Baixo Amazonas e para a área que tínhamos de ir: por Marabá. Ia ser necessário percorrer trajetos de uma verdadeira epopéia – caminhos não dantes navegados e não percorridos, como se diz. Assim, Pomar e eu fomos numa pequena embarcação até Marabá. Chegamos lá quase sem dinheiro – tínhamos uma arma e a vendemos para um médico, nosso amigo. Foi um dinheirinho que nos ajudou um pouco no resto da viagem. Navegando com aquele motorzinho pelo Tocantins, fizemos uma viagem longa. Da cidade de Peixe, a última do rio Tocantins, não havia caminho para lugar algum. Ficamos estudando para ver como iríamos fazer: tínhamos de cruzar pelo meio da mata. Fomos ver se encontrávamos algum guia que conhecesse o caminho para nos ajudar. Descobrimos havia chegado o primeiro caminhão, vindo de Anápolis, e que iria voltar no dia seguinte. Isso resolveria o nosso problema. Fomos até lá. O caminhão levava serras e machados, porque fora fazendo a estrada naquela região de planalto. Onde havia riacho ele cortava uma árvore, fazendo às vezes um “mata-burro”; na volta, ia comprando couro. Viajamos em cima do caminhão. O volume do couro ia aumentando, e nós ficando cada vez mais altos. Num desses mata-burros, o sujeito nos avisou: “É bom saltarem todos”. E pegava do outro lado. Num deles em que o sujeito disse que não precisaríamos sair, não é que quebrou o mata-burro no meio da passagem (de quase 4 metros de altura)? E a gente lá em cima do couro! Aquilo quebrou e nós fomos entornados. Caí com a cabeça na pedra e fiquei com o pescoço doendo... 
No final, acabamos chegando em Anápolis. Ao todo demoramos um mês e tanto para chegar. Foi a nossa salvação: lá pegamos um trenzinho danado e fomos adiante.
Bancada comunista na Constituinte de 1946. Ao centro: Amazonas, Prestes e Grabois


Um mês e tanto de viagem com cenas incríveis. Nessa viagem pelo Tocantins, teve um lugar, acho que Santo Antonio, um lugar pobre em que tínhamos de esperar um outro motor que fosse adiante. E nesse local, vimos (de dentro de um quartinho que ficava de frente para o rio) os pecadores remando apressados. Havia uma gritaria na cidade, todo mundo chorando... Era um incêndio nas malocas. O Pomar e eu saímos correndo, fomos organizar o apagamento do incêndio. Pegávamos as latas que encontrávamos por lá e fizemos uma fileira de gente que ia do rio até onde estava o incêndio. 

Passávamos o balde d’água de um para outro e ele voltava vazio para o lado de lá. E foi assim que se apagou o incêndio. Foi uma tristeza, queimou todos os pertences daquela gente pobre...

Em outra sanha interessante, numa noite chovia muito e o motor parou numa praia, porque não viajava durante a noite, e o cara disse: “Vamos entrar aqui na picada, dormir na casa de uns caçadores, e amanhã voltamos”. Lá fomos... E quando chegou na casa dos caçadores havia muitos couros de onça espalhados. Perguntei: “Tem muita onça por aqui?”. E ele disse: “Tem, às vezes elas urram aqui perto mesmo”. A casa era de palha e o quarto deles era fechado, mas os visitantes, como nós, cada um montava a sua rede na varanda do lado de fora. Foi um pesadelo...

A certa altura chegamos em Carolina, que já era uma cidade mais avançada, mas era tradicional. Conversamos com certas pessoas que eram progressistas – algumas falavam na Coluna Prestes, que havia passado por lá. Um senhor de Santarém que tinha um piano velho nos disse que ele havia sido tocado pelo João Alberto, um dos comandantes, durante uma noite inteira. Ficamos lá esperando por vários dias até aparecer uma condução que nos levasse a uma cidade chamada Porto Nacional, que, por sua vez, era dominada pela Igreja, a dona de tudo. O lugarzinho onde ficamos pertencia à igreja e tinha de ser pago. E de Porto Nacional para a cidade de Peixe foi preciso contratar dois canoeiros que faziam a viagem numa canoazinha com varas. Quer dizer, eles a iam tocando com varas contra a corrente. E lá fomos assim... Até a cidade de Peixe.

Bem, de Anápolis fomos ao Rio de Janeiro em setembro de 1941. A URSS havia sido atacada em junho. Era um momento de movimentação em todo o mundo. Hitler tinha subido ao poder na Alemanha e fazia a guerra. O fascismo tomava feições muito complexas. No Brasil, tivemos páginas terríveis na nossa história. Torturas, prisões... Foi um período difícil. Duro demais. Foi bárbaro esse período. Foram anos de perseguição. Até 1941-42 ocorreu a última revoada da reação contra nós, violenta, em que prenderam toda a direção do Partido. O Prestes já tinha sido preso antes, em 1936 e, em 1939, caiu o restante da direção do Partido. Prenderam todo mundo. Pensava-se: “O que é que se vai fazer agora? O que a gente vai fazer?”. Numa situação histórica em que o Partido era mais necessário do que nunca...

Na CNOP e na Conferência da Mantiqueira

A mãe do Pomar estava morando no Rio de Janeiro. Lembro-me que ficamos uns dois dias na casa dela e começamos a nos ligar, com dificuldades, ao Partido – ali também destroçado e sob muita vigilância. Depois propus ao pessoal: “Não seria o caso de eu ir para Minas Gerais e reconstruir o Partido lá (onde o Partido tinha sido destroçado e um companheiro dirigente nosso assassinado)?”. Então fui enviado para Minas em fins de 1941, início de 1942. Passei um ano e meio em Belo Horizonte. Recebi, lembro-me bem, 200 mil réis na época (uns 200 reais de hoje). Era tudo o que tinha: uma passagem de trem e 200 reais. Se não tem Partido, e o Partido está destroçado, é uma coisa terrível...

Cheguei lá, arranjei uma pensão e paguei por 15 dias. Fui procurar e consegui um emprego. Fiquei segurando a situação dessa forma para poder reorganizar o Partido. Reorganizei-o e saí de lá já às vésperas da Conferência da Mantiqueira. Fui para o Rio de Janeiro para ficar na organização nacional.
O Partido havia sofrido uma repressão violentíssima. Fomos sendo, todos nós, presos nos estados.

Todo mundo acabou preso. Foi assim no Pará. E o Partido destroçado... A reação por toda parte. Filinto Müller tinha feito uma declaração: “Dentro de 10 anos não se ouvirá mais falar de Partido Comunista do Brasil. Está liquidado!”. E isso numa hora crucial em que a URSS estava sendo atacada pelo nazismo... Então a nossa tarefa naquele período teve muita importância: a reorganização do Partido.

Quando chegamos ao Rio de Janeiro estabelecemos contato. Era o Grabois e o Amarildo Vasconcelos, que era jornalista. O Grabois tinha saído da prisão tinha pouco tempo – havia sido condenado a dois anos e já tinha cumprido a pena. Havia ainda o Ivan Ramos Ribeiro, que era oficial do Exército (também condenado, cumpriu a pena e saiu). Então, com eles foi sendo organizada o que se chamou Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), buscando contato por toda parte. Depois chegou o Diógenes Arruda, que tinha vindo da Bahia para ajudar (como não podia ficar lá foi para São Paulo). E aí nos pusemos em ação. Porque até então se aglutinavam poucos na CNOP. E nela havia um capitão do Exército, Sérgio Machado, um homem abnegado que fazia trabalho junto às Forças Armadas. Pomar e eu nos agregamos a esse trabalho. Em conjunto, discutimos a necessidade da Conferência da Mantiqueira.

Eu trazia já o Partido reorganizado em Minas Gerais; precariamente, mas reorganizado. Em Minas consegui endereços de comunistas no Paraná. O Partido me mandou então ao Rio Grande do Sul para ver se fazia mais contatos. Fui para a cidade de Alegrete para procurar o pessoal que era ligado ao setor militar (que tinha sido condenado). No Rio Grande do Sul me reuni com antigos dirigentes do Partido (o Jacinto, um intelectual, e vários outros de quem não recordo os nomes, como um companheiro que esteve na guerra da Espanha – eram dois irmãos...). Tivemos, então, uma reunião no Rio Grande do Sul e tiramos delegados para a Conferência da Mantiqueira.

Passando por Florianópolis, tive uma conversa na rua e perguntei: “Aqui teve um estivador que foi deputado federal não é?” E o cidadão me disse: “É, o Ventura; o Álvaro Ventura”. “E ele ainda existe?”. “Existe, mora ali”. E me deu o endereço. Meti as caras e fui até lá falar com ele. Perguntei-lhe se poderia participar da Conferência da Mantiqueira. Ele me respondeu: “Não posso, não há jeito nenhum de eu poder ir. Mas pode dizer ao pessoal que apóio e dentro de um mês estarei no Rio de Janeiro para ajudar”. 

Na minha passagem pelo Paraná procurei um professor de música. Tomei essa iniciativa porque havia conseguido o endereço de um companheiro de Belo Horizonte que morou muito tempo em Curitiba, conhecia o Partido e escreveu uma carta para ele. O camarada paranaense deu algumas indicações e levei dois companheiros do Paraná para a Conferência da Mantiqueira. 

Estes foram os meus passos, juntamente com outros companheiros, para fazer a Conferência da Mantiqueira – um marco na história do Partido, sem dúvida nenhuma. Um marco importante: assinala a reorganização do Partido nacionalmente e elege uma direção.

O Partido é, como se diz, como aquela ave, a fênix, que nasce das próprias cinzas. Quer dizer, quando se pensa que acabou tudo, o Partido renasce das próprias cinzas. Porque é um movimento; uma necessidade histórica. E acaba surgindo de qualquer forma, acaba se reorganizando.

Na Conferencia da Mantiqueira, eu tinha 31 anos. A gente ia até Barra do Piraí e lá pegava um carro (daqueles mais antigos do mundo) para chegar a uma cabana (antigo local de produção, que não existe há muitos anos). Ali abrigamos a Conferência. E para fazer o plenário fomos buscar uns tocos de árvore, ou o que a gente encontrasse, para se sentar, porque tinha poucas cadeiras. Acho que reunimos 20 pessoas, ou um pouco mais. Assim de cabeça, posso dizer que havia os organizadores da CNOP:

Amarílio Vasconcelos, Maurício Grabois, De Marco, Ivan Ribeiro (capitão do Exército), Julio César (que já morreu); depois, vinha o Pomar e eu (que tínhamos ido numa correria para lá). Entrava o Arruda (que tinha aderido), o Armênio Guedes (que tinha ido junto com ele) e o Mario Alves; e, ainda, dois representantes do Rio Grande do Sul (Jacinto e outro) que eu havia levado; um outro do Paraná, levado por mim, o Jorge Erlam; e de Minas Gerais havia um de Juiz de Fora, o Leopoldo. O José Medina também estava presente. Foi essa, mais ou menos, a sua composição.

A Conferência da Mantiqueira é um marco na história porque mostra a capacidade do Partido de reagir às situações mais difíceis contra a reação. Conseguimos realizar uma conferência pobre do ponto de vista material. “Conferência da Mantiqueira” é um nome pomposo, mas seu local era um barraco sem condições de habitabilidade. Ali nós tivemos de improvisar, com tijolos, pedaços de árvores, etc, o local para poder realizar a Conferência. Mas, reinava aquela alegria dos comunistas, aquela confiança no Partido e no futuro. Foi um acontecimento histórico, ninguém se preocupou com as dificuldades. Todos nós vivíamos aquele momento de intensa alegria pela reorganização do Partido. Demos início, assim, à reorganização do Partido em todo o país. Na Conferência se elegeu o Comitê Central do Partido no qual foi incluído o companheiro Álvaro Ventura (que não estava na reunião, mas estava de acordo com ela). 

E também foram incluídos o Prestes, que estava preso, e o Marighela (preso já fazia dez anos). Ali, foram eleitos o Ivan Ribeiro, o Pomar, o Mario Alves e eu, entre outros. Dessa maneira, foi criado um Comitê Central e começado um grande trabalho de organização do Partido.

Até então o Partido se organizava em alguns estados, mas tinha ainda pouca expressão nacional. O Partido ressurgiu como organização revolucionária no nosso país, e isso foi conseguido na Conferência da Mantiqueira. Nela, nós elegemos um marítimo para Secretário-Geral do Partido e a segunda pessoa vinha sendo o Arruda, o nosso Secretário de Organização. Depois, Maurício Grabois, esse companheiro Amarildo Vasconcelos e o Sergio Machado, que era capitão do Exército. O Pomar e eu também entramos. O Partido organizado é outra coisa, não é aquela organização isolada, ainda sem uma direção nacional. O papel da direção nacional é fundamental para a existência e para o desenvolvimento da luta de um Partido Comunista.

Estávamos salvos do incêndio. Quer dizer, dava para se reunir e organizar o Partido. Havia uma grande confiança mesmo. Em todo caso, o Partido mostrou que não estava afeito com o combate a pessoas, e sim preocupado com as questões maiores. O Getulio aparecia como um inimigo monstruoso, digamos assim. Mas nós, com o problema da guerra, com a Alemanha atacando a União Soviética, mobilizamos todos para ver se participávamos dessa grande luta contra o fascismo e o nazismo. Getúlio tinha mudado de posição devido ao Brasil ter sido obrigado a entrar na guerra contra o nazi-fascismo. Com isso, houve uma mudança muito grande, porque os comunistas deixaram de ser o alvo da perseguição. 

Agimos com muita habilidade, assumimos a Liga de Defesa Nacional, uma instituição histórica que existia ali na Lapa, envolvendo o nosso pessoal e simpatizantes nossos das Forças Armadas. A entidade virou um grande centro de ação política. Foi nessa época que estimulamos a mobilização contra o nazi-fascismo. Depois disso, veio a campanha da anistia e a libertação do Prestes. Houve diversos comícios e conquistamos a redemocratização do país. Fizemos um movimento popular de envergadura. E o Getulio aparecia então na direção também desse novo quadro político no Brasil. Por isso os setores reacionários das Forças Armadas não tiveram dúvida (havia o general Dutra que jogava um papel importante) e deram o golpe. O golpe retirou Getulio do governo e colocou um presidente interino. Mesmo sob restrições, o Partido viveu um período de vida legal, com ampla presença diante das massas e obteve significativa vitória eleitoral, participando da Constituinte de 1946." 

EDIÇÃO 69, MAI/JUN/JUL, 2003, PÁGINAS 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46